Conto: Abduzido
Publicado em 03/08/2020 | 10:37 - 1991

As notícias aumentaram na região central de Minas Gerais. Várias pessoas relatavam ter visto pontos luminosos no céu em diversos lugares. No sul do estado as pessoas não acreditavam muito nessas notícias. A vida no campo era sempre calma e sossegada. O trabalho era duro e monótono.
Como era comum naquela época do ano, Pedro tinha acordado às quatro horas da manhã, o céu ainda escuro, fez um café e comeu um pão murcho, comprado uma semana antes na cidade. Colocou roupas surradas, usadas para o trabalho, botinas de couro e uma blusa leve para segurar o vento da madrugada.  Desceu para um pequeno pasto cercado por cercas de arame farpado, onde tinha deixado suas vacas no dia anterior.
Depois de trazer as vacas e as colocar dentro de um curral, se dirigiu para outro pasto, ainda menor, onde os bezerros, crias dessas vacas, passaram a noite. Começou a gritar o nome deles e leva-los para outro compartimento do curral, quando viu algo refletindo os primeiros raios de sol, no chão, do outro lado da cerca.
Curioso, passou pela cerca e descobriu um objeto metálico, parecido com um cabaço, como duas bolas de tamanhos diferentes, grudadas. Na parte redonda menor do objeto, havia três furos. Pedro colocou o objeto no embornal que levava cheio de pedras para usar com o estilingue ao tentar chamar a atenção do gado.
Junto com o sol, veio o trabalho duro. Ordenhar as vacas, separar o leite em latões para entregar à cooperativa, liberar as vacas com seus bezerros para o período da tarde. Depois ainda limpar o esterco do curral formado durante a manhã. O embornal ficou esquecido junto com a blusa e o estilingue em uma lateral do curral até a hora do almoço.
Cansado, Pedro aproveitou para dormir um pouco depois de ter almoçado e assistido um episódio de seu programa de TV favorito: Chaves. Sua esposa o acordou pouco tempo depois e ele se preparou para continuar o trabalho. À tarde iria pegar todos aqueles jornais velhos que juntou para cobrir os abacaxis na plantação. Além do embornal e do estilingue, pegou um facão e uma garrafa de água de cinco litros.
Conforme ia caminhando para a plantação de abacaxi, Pedro pegou o estilingue e colocou a mão no embornal à procura de pedras. Foi quando sentiu aquele objeto e se lembrou que tinha achado nessa manhã. Parou embaixo de uma árvore com a curiosidade atiçada e tirou o objeto do embornal.
A luz do dia fazia com que o objeto brilhasse como uma pedra preciosa, apesar da superfície lisa e da sensação de metal ao tato. Os três buracos eram do tamanho da digital de Pedro, e estavam pretos. Mesmo quando ele virou o objeto na luz, não conseguiu ver dentro dos buracos.
Pedro decidiu colocar seus dedos ali. Ficou surpreso ao ver que não eram buracos, mas pequenos relevos para dentro do objeto. Quando ele colocou os três dedos ao mesmo tempo, um em cada relevo, estes começaram a brilhar. Pedro tentou tirar os dedos e jogar o objeto no chão, mas este ficou grudado em sua mão. Mesmo fazendo força o objeto não se soltava. Pedro começou a correr de volta para sua casa quando o objeto começou a vibrar e ficar vermelho, mas depois de dois passos, suas pernas pararam de responder. Ele caiu ajoelhado e não conseguiu mais se mover. Pernas e braços estavam paralisados.
O barulho do vento nas árvores próximas se intensificou. Pedro sentiu o vento rodar à sua volta cada vez mais forte. Não escutou mais nenhum som além do vento. A grama estava deitada os pequenos arbustos a sua volta começaram a envergar para o chão ou se partir e voar para longe. Pedro teve a sensação de estar no meio de um furação. Por mais que o vento fosse forte, ele parecia não fazer nenhum efeito sobre Pedro. Tentou olhar para cima, mas o pescoço não respondeu. Começou a ficar com sono, o que era estranho com toda aquela agitação e pavor que sentia. Conforme foi fechando os olhos, sentia que flutuava. Tinha a impressão de ter perdido todo o peso do corpo. Era bom.
Acordou com uma dor forte de um objeto perfurando suas costas, entre a coluna. Uma agulha afundava cada vez mais, dando a impressão que iria atravessar seus corpo à qualquer momento. Desmaiou logo, de tanta dor que sentiu.
Pensou ter escutado seu despertador, levantou a cabeça ainda grogue. Estava cansado. Não queria tirar leite das vacas hoje. Ainda estava escuro. Sua cama estava dura, tentou se sentar. Descobriu algemas segurando-o deitado. Não estava entendendo o que estava acontecendo. Tentou focar algo ao redor, mas ainda estava escuro. Sua cabeça não clareava, sentiu tonturas.
Pedro não conseguia pensar com clareza, achou ter visto uma pessoa muito alta e magra o colocando sobre uma maca. Lembrou-se de luzes coloridas passando no teto enquanto era transportado de um lugar para outro. Escutou vozes que pareciam muito agudas e infantis, mas não viu nenhuma criança por perto. Percebeu que estava nu. Tentou levar as mãos aos genitais, mas ainda estava preso. Quando a cama parou, alguém colocou uma máscara em seu rosto, tampando sua visão.
Um baque. A cabeça de Pedro doeu um pouco com a pancada, mas isso melhorou sua percepção. Sentiu um líquido espesso sendo derramado entre suas pernas, na altura do joelho. Estava gelado. O líquido se espalhou embaixo de suas pernas, bunda e foi subindo pelas costas até a nuca, então lentamente começou a se elevar, cobrindo todo o corpo ao mesmo tempo. A máscara permitia Pedro respirar, e o líquido era tão gelado que o fazia tremer. Conforme o líquido ia cobrindo seu corpo, Pedro não sentia mais a parte afundada nele. Não sentia o frio ou o tremor. Tinha a impressão de não ter mais nada além do seu rosto quando ficou totalmente submerso.
Pelo que pareceu ser dias, Pedro flutuou entre a consciência e o estupor, naquele estado vegetativo. Às vezes tinha a impressão de sentir algo quente tocando alguma parte de seu corpo, mas parecia um sonho. Até que começou a sentir dor novamente. Como se sua pele estivesse sendo rasgada nas pernas, braços e depois no tórax ate a barriga. Não sentia o restante do corpo, penas a sensação de alguém estar derramando álcool em uma ferida aberta. Em várias linhas sobre ele. Mas dessa vez não desmaiou. Algo o mantinha acordado e lúcido o tempo todo. Não encontrou forças para gritar.
Quando tinha perdido as esperanças da dor passar, sentiu essas linhas sendo queimadas, a dor era ainda maior, mas logo depois passava. Dessa vez não aguentou muito tempo, desmaiou.
O despertador antigo martelou ao seu lado. O martelinho batendo nos dois sinos assustou Pedro, que se sentou de uma vez, acordando sua esposa.
- O que foi, meu bem? – perguntou ela.
- Onde estou? O que está acontecendo?
- Teve um pesadelo? Foi?
- Faz quanto tempo que estou fora?
- Está fora? Do que está falando? Você está dormindo aqui desde ontem. Vai trabalhar que já deu sua hora.
Ela voltou a deitar. Podia dormir mais duas horas antes de se levantar. Pedro se levantou, ainda abalado com o que aconteceu. Mas depois de buscar as vacas e bezerros, pegar seu banquinho de uma perna só que trazia amarrado às calças e ordenhado várias vacas, aceitou e se conformou com o sonho que teve. Trabalhou até a hora do almoço, dormiu um pouquinho e se preparou para tapar os abacaxis contra o sol. No caminho para a roça, passou pela árvore que tinha imaginado mexer no objeto. Estava intacta, mas logo depois notou que a grama e arbustos mais à frente estavam amassados e deitados no formato de um círculo perfeito.


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